Foto: https://www.youtube.com/

SANDRO ORNELLAS
( BRASIL.- DISTRITO FEDERAL )

Nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1971.

Publicou três livros de poemas: Simulações (1998), Trabalhos do corpo (2007) e Formas de cair (2011).
Atualmente mora em Salvador (Bahia) onde ensina literatura no Instituto de Letras da Universidade
Federal da Bahia.
www.sandroornellas.wordpress.com

LABORATÓRIO DE POÉTICAS.  No. 9 -Maio de 2011.  Diadema,
São Paulo: 2011       No. 1984             Ex. bibl. Antonio Miranda

Derivas geográficas

cansado de céu ponho-me
de frente para o sol
de costas pra o sul
na linha transversal
que corta o chão em dois

meus passos pelas ruas
da cidade em que nasci
não param nas esquinas
de esquemas modernistas


classroom

na enésima aula a aluna de sombra azul
nos olhos e nas mãos ergue o dedo
no meio do texto que em voz alta leio
para orelhas furadas por falsos brilhantes
na enésima aula a aluna de sombra azul
nos olhos e nas orelhas me lança a pergunta
sem freios — recuo na leitura engulo a seco
o resto do texto e emendo uma fábula
também em voz alta na enésima aula
para a aluna de sombra azul
nos olhos e na boca — sou do planalto
no meio e acima duma ilha
tenho uma história curta e uma memória
sem nenhuma glória por isso conto a prosa
dos meus anos sob a forma deste poema

ORNELLAS, Sandro Santos.   Formas de cair (& outros poemas  (2007 – 2010).  Rio de Laneiro: Letra Capital, 2011.  90 p. 12 x 18 p.  isbn  978-85-095-2.             Livro doado por ALEX COJORIAN

1 ROMANCE DA DEFORMAÇÃO


2. (arte do autorretrato)              


uma mistura uma fundura
uma mensagem adúltera de tudo
uma mistura muito funda
muito bruta muito puta
mais-do-que-madura
parte punk parte nula
quinhão sem futuro
monturo que dá em nada
em noves fora
projeto sem forma
projeto de não-ser
face mestiça etnia postiça
massa de tudo
rebarba caliça restos rebite
que não existe
bricolagem de branco-com-banto
neto-de-filha-de-mãe-de-santo
linhagem de negro e galego
galego caboclo
falsa persona do próprio rosto
do próprio pouco
da própria vida
ou quase uma arte


3.   (dialética negativa)

não são brancos nem são negros
não nos dão os seus segredos
são a cruza de um com o dois
não são o três que vem depois
são um zero nessa conta
não possuem a vida pronta
não são feios nem bonitos
não filhos de mestiços
não são máscaras dos brancos
são culturalmente mancos
não são dos negros os claros
não são ricos nem são raros
não estão  dentro nem fora
são expurgos da memória
não são finos nem são rudes
sós têm vícios não virtudes
não são frágeis nem são fortes
são a vida contra a morte
não são mais do que mestiços
explicam-se por sua conta e risco


 2. URBI ET ORBI          

 1.  (carteira de identidade)

esta cidade não me salva
nasci fora de suas fronteiras
pai e mãe são meu medo
dupla a derrota
tatuada em meu corpo
como cicatriz da história

esta cidade não me basta
sou bastardo em sua memória
tenho um não-lugar além
sou estranho a toda estória
irredutível ao que se exprime
em seu fado em suas horas

esta cidade arde a aurora
que carrego entre as pernas
— meu pau de pé —
uma origem tão cinzenta
quanto um amor tangente
ao ódio — amor angélicos

esta cidade não me acalma
sua língua trava minha boca
sua luz queima meus olhos
mas salto meus muros
com o roteiro de desencontros
que definem meu destino


2 FORMAS DE CAIR

(4)

Diário roteiro ensaio memórias
receitas emails telex telegramas
de amor suicida negócio e bomba

As cartas as bulas as leis os contos
são feitos para acabar em um livro

No entanto o poema ensina a cair

*

VEJA e LEIA outros poetas do DISTRITO FEDERAL em nosso Portal:

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/distrito_federal.html

Página publicada em outubro de 2023